quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ET

Toda vez que penso nesse post acho que já está tarde demais para escrevê-lo, afinal fazem quase 9 meses que estou na Franca. Mas diariamente me acontece algo que me faz pensar que vou me sentir como um et pra sempre sendo estrangeira. Assim que cheguei aqui escrevi pra uma tia minha contando as diferenças de cultura e ela me disse: "vc está sentindo como um peixe fora d'água". Mas hoje em dia acho que na verdade não sou só eu que estou fora d'água, mas o olhar que o mundo tem sobre o estrangeiro é sempre diferente. Fiquei pensando tanto nisso que comecei a me sentir mal de como sempre tratei os estrangeiros no Brasil. Sinto sempre um misto de orgulho e curiosidade com aquela pessoa que saiu da sua casa pra viver uma outra vida em outro lugar totalmente diferente. Mas quando somos nós tudo muda de figura, mesmo os gestos mais simpáticos e bem intencionados. Lembro-me do primeiro dia de aula, todos deveriam se apresentar e falar um pouco da sua história pois segundo a professora de artes isso nos ajudaria a construir nossa carreira e nossa criatividade. Estava nervosa, com medo de falar errado e dizer besteira e comecei a me mexer na cadeira, abraçar os braços, cruzar as pernas, tirar e colocar o casaco. A professora se vira pra mim e pergunta se estou com frio. Disse que não, tudo bem. Logo em seguida foi a minha vez de falar e quando disse que era brasileira todos começaram a rir. Talvez por pensarem: "óbvio que ela está com frio, vem do brasil". Minha professora me pergunta então que tipos de animais, cores, florestas e sabores temos no Brasil e o que é mais diferente. Me senti como no desenho dos Simpsons. Sim, temos uma variedade maior de frutas, animais e flores, mas acho que o preconceito estava dentro de mim quando pensei que todos achavam que eu morava na floresta. No trabalho, quando vou atender uma mesa, tem sempre alguém que faz uma piada que eu não entendo e quando fico sem graça o riso é generalizado. Quando falo com sotaque pedem preu repetir a palavra, acham "fofinho", e meu chefe adora dizer que fala português: "é mto fácil malu, basta colocar o chi no final de todas as palavras que vira português". Outro episódio que me marcou muito foi quando numa aula teórica a professora estava ditando a matéria e eu fiquei parada prestando atenção. Ela parou o ditado, me olhou e falou: "vc não vai copiar não?" E eu respondi, "desculpe professora, mas é muito difícil acompanhar, depois eu copio o caderno de uma colega pq não quero escrever tudo na minha língua". Ela ficou sem graça, me deu os textos dela pra tirar cópia e todos os estrangeiros se manifestaram pedindo cópias também, embora ninguém tenha tido coragem de falar nada antes. Mais uma gargalhada coletiva. Mas hoje realmente foi a pior das experiências, embora eu já esteja mais descolada e já ria junto. Na aula de face painting, acabei cedo a minha maquiagem e perguntei pro professor se poderia ir embora. Ele disse que sim e me desejou boas festas. Depois me perguntou se eu tinha família aqui ou se eu iria ao Brasil passar o fim de ano. Falei que não pq vou trabalhar no Natal e no ano novo. Eis que ele começa a gritar na sala "Pessoal, Maria Luíza Tostes vai passar o Natal sozinha, eu repito, Maria Luíza Tostes vai passar o Natal sozinha. Alguém se habilita a convidá-la?" Queria me enterrar. Natal sozinha não é um drama e afinal de contas tenho dois amigos que vem pra minha casa, além da Tati que mora comigo e o namorado dela. Ainda estou tentando convidar a minha amiga coreana que tb não tem família aqui. Olhei pra ele e disse: "Não é verdade, vou passar com a Seing Yong (a coreana)." No final veio uma francesa (a que eu maquiei) e me falou: "Que viagem ele falar isso né, nada a ver." Pô, aí eu fiquei meio puta, pq nada a ver? ele tava querendo me ajudar não? Muito confuso esse mundo francês!
Tenho uma amiga austríaca no curso que me disse, "detesto quando as pessoas me tratam como a pobre estrangeira, bobinha que não entende direito o que a gente fala" ... é verdade, mas no fundo acho que se a gente se crê como a pobre coitada estrangeira isso faz com que os outros nos vejam assim. Nos primeiros dias de aula cruzei com uma menina da faculdade que veio falar comigo em inglês. É verdade que tenho mais facilidade em inglês que em francês, mas fiz questão de responder em francês. Se eu estou aqui é pq estudei, me dediquei, e sou capaz de falar a mesma língua que eles e de viver como eles. Afinal não consegui tudo o que tenho aqui do nada. Estou trabalhando já no terceiro emprego e os poucos amigos que fiz foi graças à minha personalidade, que é brasileira e que carrega toda a minha cultura e meu país com orgulho e amor! ET é a pqp!!!

5 comentários:

  1. haahhahahaahhaahha!

    Malu!!!

    Vc é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço!

    Tem um poder de alto entendimento não só da psique como da alma humana.

    Vc está bem esclarecida, é bom ver vc assim!

    É como vc disse, é como se leva o mundo, se vc fizer o papel da estrangeira coitada assim será.

    É muito bom ler e ver tanta coerência no meio de tanta incoerência mundana!

    Eu te amo, mais uma vez! Pq esse amor não tem fim!!!

    Boa sorte e vamos nos falar no Skype sabado de manha?

    Beijos!

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  2. que linda!
    intensa e tão cativante...de fato eles perdem e MUITO se não conseguem perceber isso..
    não que seja fácil..consigo me ver (mesmo em minha terra natal) nessas situações que vc colocou..e transpor isso a cada dia é realmente um desafio...
    a sensação de voltar pra casa é tão gostosa e confortante.
    difícil lidar com gente.

    confesso que bateu um medinho agora, mas não diminui o interesse e a vontade de estudar a língua e voltar praí.
    vc é guerreira demais!
    e por isso deve sempre erguer a cabeça, e mantê-la assim!

    saudades.
    ludy.

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  3. amo vcs, obrigada pela força sempre!
    só consigo pq sei que tenho amigos que são tudo pra mim!
    Conto os dias para fevereiro e a minha chegada no país tropical!
    beijos e saudades

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  4. Quebrou tudo, Maluzete...São muitas as situaçõesm em que nos sentimos estrangeiros, na verdade, né? Me sinto uma estrangeira na minha própria terra quando admito a necessidade da mudança num lugar onde acreditar na mudança é motivo de riso....
    Texto lindo, bonitona!

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  5. Somos do Mundo e isso nos basta ,minha Lula querida!

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